A apressada de Cascadura
O despertador não tocou, e aquele era seu primeiro dia no trabalho. Meire só teve tempo de tirar o moletom e vestir qualquer coisa que tateou na penumbra do quarto. Saiu apressada e nem tomou banho. Só deu uma disfarçada no visual, para não dizerem que era desleixada. Devorou uma coxinha com catupiry de forma animalesca, antes de pegar a kombi na praça de Cascadura, e quase acabou se entalando com um ossinho de galinha. Ao chegar no Valqueire, saltou tão desesperada que nem viu a motocicleta, que vinha cortando pelo meio-fio. Ensangüentada e agonizando no asfalto, sua única preocupação era no que pensariam as pessoas quando percebessem que ela havia morrido usando uma calcinha velha e frouxa.
coitada!
olha, é horrível isso…
uma vizinha sempre dizia pra gente: não usa calcinha velha não porque vai que vc passa mal ou sofre um acidente e chega no hospital de calcinha velha….
e os autos de exame cadavéricos (li centenas na época de estagiária da promotoria) não perdoam a falta de depilação.
mulher sofre até depois de morta.
Nossa, chocado com as informações que a Maria deu.
Mas eu entendo a Meire. Tenho um amigo (u-rrum) que teve uns problemas de saúde na adolescência e por umas duas ou três vezes acordou no hospital. Quando retomava a consciência só conseguia pensar que foi socorrido vestindo os trapos que gostava de usar pra dormir; daí, antes mesmo de perguntar o que tinha acontecido ou se estava bem, sempre perguntava furioso: “mas, putaquipariu, quem foi o idiota que me trouxe pro hospital vestindo isso?!”.
Desde então esse amigo prefere dormir pelado, pra não correr o risco de morrer mal vestido.