Uma obra inacabada
Herculano passou dez anos escrevendo contos eróticos para a revista “Big Man Internacional”, que nunca foram publicados. Colecionador alucinado, não perdia uma edição que fosse, na vã esperança de ver seu nome estampado nas páginas ilustradas que a recheavam. Comprava, inclusive, os fascículos especiais, onde só se exibiam jovens senhoras, devidamente depiladas.
Apesar da óbvia repulsa que seu material parecia causar nos redatores da revista, ele não desistia. Incontáveis noites em claro, e centenas de cadernos pautados foram gastos, mas ele enfim conseguiu… a equipe entrou em contato, solicitando a confirmação de seus dados. Herculano só faltou soltar fogos no terraço e estourar uma Sidra Cereser.
É de se estranhar que o conto selecionado tenha sido um dos menos inspirados, dentre toda sua obra pornográfica. Havia naqueles garranchos uma certa tristeza, com pinceladas de melancolia – ao passo que também havia muita perversão no modo em que o coito era descrito. Carnal, suado, cuspido. Herculano era um gênio no que diz respeito à putaria, cujo talento fora repetidamente triturado.
Sim, Herculano só enviava seus manuscritos. Não houve cópia, nem arquivo. Quando o exemplar de março chegou às bancas, o corpo teso daquele homem tarado foi enterrado no cemitério de Irajá. Sofreu uma parada cardíaca, coisa fulminante. Jamais viu a ilustração grotesca que escolheram para estampar seu derradeiro conto.
Fato é que a publicação foi um estouro! Um sucesso de vendas, justamente por conta daquela história escrita com caneta Bic preta. Herculano foi aclamado pelos leitores, e imortalizado por toda a crítica literária. E se pudessem ler tudo o que ele escrevera nos anos anteriores, enquanto tinha força para bater uma punheta para cada modelo da revista? Ah, se pudessem ter lido…
Bom e velho Suburbanismos. Sempre imagino um curta pra cada conto aqui. Ou uma série digna.
infelizmente a vida é assim. muita gente e muitos trabalhos só são reconhecidos após a morte.