Leve três, pague um
Patricia estava de banho tomado, quando notou o pote de Kolene vazio. Mais do que atrasada para o baile no Clube do Olaria, não podia sair de casa com o cabelo naquele estado. Indignada, calçou os chinelos e desceu até a farmácia da esquina. Por sorte, estavam com o estoque farto e ela pegou logo o combo de três cremes com um shampoo grátis. Enquanto esperava para pagar, avistou uma velhinha, toda esbaforida, furando a fila:
– Me vê uma telesena, me vê uma telesena!
A atendente de caixa, com ar debochado, explicou que ali não se vendia esse tipo de produto, indicando a casa lotérica do outro lado da rua. Mas a velhinha parecia não entender nada. Só repetia a mesma coisa, agitando uma nota de real amassada. A morena, impaciente, começou a bater com as longas unhas na fórmica verde do balcão.
– Me vê uma telesena, me vê uma telesena!
Já que ninguém se dispunha a ajudar, Patrícia largou os potes de creme e pegou-a pela mão, levando até a outra loja. Furando mais uma fila, a velha pediu pela maldita telesena que tanto queria. Ninguém reclamou, só que, para seu desespero, não havia mais nenhuma. Só raspadinha. E mesmo assim, ela continuava…
– Me vê uma telesena, me vê uma telesena!
Preocupada com a hora, Patrícia a convenceu de pegar uma raspadinha, já que a tal telesena estava difícil de encontrar. Na emoção do momento, a idosa pegou o bilhete, entregou o dinheiro amassado à moça da lotérica e saiu correndo. Com a sensação de dever cumprido, a moça já estava atravessando a rua, em direção à farmácia, quando ouviu um grito.
– Oôoo, coisinha! Volte aqui!
Sem entender nada, e superlativamente atrasada, ela voltou até a casa lotérica, olhando desolada para o relógio. Com um ar desafiador, a atendente segurava a nota entregue pela velhinha, onde se lia, em letras garrafais, “Pegue a sua no Banco Cacique”. Tratava-se de uma daquelas reproduções, que são atiradas ao vento pelas garotas nos sinais de trânsito.
– Essa nota não vale nada, e você vai ter que pagar pela raspadinha daquela velha!
Patrícia tentou se explicar, dizendo que só estava ajudando aquela idosa a atravessar a rua, mas não houve acordo. Foi obrigada a pagar, do próprio bolso, a maldita raspadinha. Um sorriso irritante brotou no rosto da atendente, que mascava o mesmo chiclete desde o começo do dia, ao receber uma autêntica nota de dez reais.
– Quer o troco em raspadinhas, coisinha?!
Só não levou um tapa porque estava detrás de um vidro, e tinha pinta de encrenqueira. Já desanimada, e sem a menor vontade de ir ao baile, Patrícia retornou à farmácia e pegou, além daquele combo de cremes, duas cartelas de analgésicos. Uma enxaqueca das brabas começava a despontar, e ela pretendia cortar o mal pela raiz.
– Como eu sou idiota… Devia era ter comprado meus cremes e picado mula pro baile!
No caminho de casa, com a testa latejando, Patrícia avistou a velha sentada num banquinho da praça, perto da barraca de cachorro-quente. Num primeiro momento, achou que seria perda de tempo ir até lá, mas acabou mudando de idéia. Aquela biscate havia feito Patrícia de palhaça, e merecia levar um sermão.
– Sacanagem a tua, hein? Me colocou na maior furada! Pelo menos ganhou alguma coisa?
A senhora, então, estendeu o braço, mostrando o bilhete. Seu rosto murcho e triste não traduzia com exatidão o que acabara de lhe acontecer. Estava, de fato, premiado. Cinqüenta mil reais. Patrícia não se conteve e, esfuziante, tomou o papel de sua mão. Hesitou por alguns segundos, pensou em fugir e resgatar a bolada sozinha, mas resignou-se.
– Toma, velhota! Esse prêmio é seu, mesmo que não mereça.
Ao ouvir as palavras de Patrícia, aquela velhinha derramou-se em lágrimas. Era analfabeta. Não sabia sequer distinguir um número de uma letra. Estava ali descontente, por não saber o que significavam aquelas figuras. Quiçá, tinha noção do quanto valia aquele bilhete. De tanta tristeza, abraçou a jovem e desabafou. A ela, só interessava uma coisa.
– Fique, você, com o bilhete. Para mim, não tem serventia. O que eu queria mesmo era conhecer o Silvio Santos.