A cartinha de natal
Aquela era a primeira cartinha de próprio punho que Bárbara escrevia ao Papai Noel, e o entusiasmo em fazê-lo era tão cativante que seu pai a filmava com o celular. Assim que entrou para a classe de alfabetização, a menina se divertia com as primeiras letrinhas escapando da ponta do lápis para dançar pelas linhas do caderno. Foram meses e meses de treino, melhorando a caligrafia e colecionando rabiscos. Primeiramente, ela discorreu sobre o fato de ser uma boa menina, mais dois parágrafos foram dedicados ao seu empenho nos estudos, e enfim ela terminou fazendo seu pedido: “Quero um irmão menino e de olhos azuis”
Depois de dar um beijo onde seu nome foi assinado, Bárbara lacrou a carta com um adesivo em forma de coração e a entregou aos pais, que a postariam na manhã seguinte, a tempo de chegar no Pólo Norte antes do Natal. Naquela noite, inspirados pela sensibilidade de sua pequena, Jorge e Lais tomaram as devidas providências para que o bom velhinho não falhasse, fazendo com que o presente chegasse repleto de amor e alegria. Eles já vinham conversando a respeito daquela possibilidade há um bom tempo, e estava mais do que na hora de aumentar a família. Duas semanas depois, a novidade apareceu num palitinho mijado: a menina ganharia seu irmãozinho.
Para não estragar a surpresa, o casal resolveu comprar uma boneca das que imitam bebês, colocando-a embrulhada sob a enorme árvore que piscava na sala. Na manhã seguinte, aproveitando uma distração de seus pais, Bárbara foi futricar naquele estranho presente, que surgira do nada e nem tinha cartão. Virou para um lado, jogou para o outro, até que o brinquedo acionou sozinho e começou o berreiro artificial. Apavorada, a menina pensou que ali houvesse mesmo um bebê e acabou pirando. Como o berreiro não parava mais, ela pegou uma tesourinha de unha e cortou a rede de proteção na janela. Com um pouco de esforço, atirou a caixa pelo buraco e se escondeu debaixo da cama, temendo pelo temível castigo que viria quando descobrissem seu deslize.
Quando Lais notou o rombo na rede e não viu a filha no sofá, um choque correu-lhe a espinha. Procurou-a no quarto, no banheiro e na varanda, mas não encontrou. Aos gritos, chamou pelo marido e debruçou sobre o parapeito, avistando o embrulho caído lá embaixo, em meio aos transeuntes. Por pouco, ela não se jogou também, mas foi salva pelo som do espirro de Bárbara, que era alérgica a poeira. Estavam todos tão nervosos que nem teve bronca, e Jorge nunca se sentiu tão bem por ser negligente na faxina. A boneca foi roubada por alguém que passava pela calçada, e a menina teve que escrever mil vezes que nunca mais atiraria nada pela janela, principalmente seu irmãozinho. Ao menos ela continuaria treinando sua caligrafia perfeita.