Depois da vida
Lucrécia não via nada demais em ter mandado empalhar o marido. Robson morreu jovem, dormindo, com a pele intacta e um semblante calmo – seria um pecado deixa-lo apodrecer na solidão de uma cova. Gastou uma fortuna para deixa-lo sorrindo para todo o sempre, mas o resultado acabou sendo recompensador. Em tardes ensolaradas de outono, os olhos de vidro chegavam a ganhar vida! Era um espanto de tão reais…
Os parentes e amigos foram, aos poucos, desaparecendo de lá. Mas Lucrecia, por outro lado, sentia-se muito bem acompanhada pelo defunto, que vivia sentado na cadeira de balanço, sem incomodar ou reclamar da vida. Robson não ficava doente, não a maltratava, não chegava mais bêbado em casa. Agora os dois podiam assistir as novelas, um ao lado do outro, sem brigar pelo controle remoto.
Passaram-se alguns anos e, finalmente, Lucrecia também acabou sendo empalhada. Seu último desejo foi registrado em cartório, e ai de quem resolvesse não seguir à risca. Ela queria passar a eternidade ao lado de Robson, e assim foi feito. Toda o dinheiro, já que não havia herdeiros, serviu para garantir-lhes o além-vida. E até hoje eles desfrutam juntos da bela vista que se tem daquele sobradinho no alto do bairro de Maria da Graça.
Que história de amor linda. Quem será que empalhou a Lucrécia, hein?
Lucrécia morreu aos 89 anos, parecendo um maracujá de gaveta. Foi encontrada pelos vizinhos, quando começou a feder. Seu testamento estava ao lado da cabeceira, com as instruções para a taxidermia. Mas os olhos dela não ficaram tão realistas quanto o dele. Realmente, foi uma bela história de amor.
Ah, tá.
Melhor que a história só esse diálogo como Fernando, rs. CremDeusPai na Lucrécia.