Toda a culpa
Valéria nunca repetiu de ano. Passou em primeiro lugar na UFRJ. Formou-se em Arquitetura com louvor. Arrumou um bom emprego. Fez mestrado e doutorado. Foi promovida várias vezes. Mudou-se do subúrbio para a zona sul. Enriqueceu. Comprou uma casa enorme. Casou-se. Teve três filhos. Quando conquistou tudo aquilo que desejava, ela percebeu que não era feliz.
Por conta de todo o sucesso que teve na vida, Valéria se culpava. É como se houvesse uma balança gigante, onde todos os seus êxitos fossem responsáveis pela crescente miséria que a cercava. Toda vez que comia uma lagosta, por exemplo, ela tinha certeza de que uma criança morreria de fome.
A arquiteta sentia tanta vergonha por ter dinheiro e conforto, que decidiu virar o jogo. Quando ouviu dizer que o índice de assaltos cresceu no Aterro do Flamengo, ela se encheu de jóias e correu em direção aos meliantes. Isso acabou tornando-se um hábito, e hoje ela até agradece ao ser assaltada.
O sonho de Valéria é ser morta e degolada por um desses pivetes. Só assim, ela saberá que foi devidamente punida por ter sido uma pessoa exemplar e correta.