De um lado para o outro
Um rato. Minha vila acordou em rebuliço por conta de um mero roedor. E eu ainda estava debaixo das cobertas, entregue aos braços de Morfeu, quando tudo começou. Primeiro, foi um grito agudo, vindo de uma das casas da frente. Depois, o furdunço se alastrou por todas as outras. Inclusive a minha.
Pulei da cama, esbaforida, desci as escadas e dei de cara com um dos meus primos, Pedro Henrique. Segurando uma enxada, ele batia debaixo dos móveis e bradava para tentar afugentar o bicho que, segundo minha mãe, havia entrado por debaixo da porta. Ele só interrompeu sua caçada ao me notar, completamente apavorada, na porta da cozinha.
Ofegante e coberto de suor, ele me fitou com um misto de admiração e espanto. Perguntei o que estava acontecendo e ele só fez um gesto, tímido, apontando em minha direção. Percebi, então, que minha camisola havia escorregado, deixando um dos seios a mostra. Com um movimento rápido, puxei a alcinha e corei.
Ele sempre demonstrou um certo apreço por mim, isso lá é verdade. Quando me via chegar do colégio, corria de onde estivesse e se agarrava às minhas pernas. Com o passar dos anos, no entanto, essa adoração acabou ganhando outros rumos. Pedro Henrique passou a me admirar de longe, sem muitas palavras.
Mas naquele momento, senti algo diferente, um arrepio… Não era mais um garotinho, e sim um homem feito. Notei seus braços fortes, o peito peludo… E o maldito rato, aproveitando nosso descuido, escapou por trás da estante, coberto de poeira. Minha prima Crislane, ao avistar a peste, entrou em pânico e subiu no sofá.
Os gritos histéricos nos despertaram do transe, e Pedro Henrique foi atrás do bicho, munido com sua enxada e um jeito levemente desengonçado. Pensei em algumas imoralidades e, de tão excitada, acabei elevando, consideravelmente, a umidade relativa do ar. Corri para a janela e fiquei acompanhando o desenrolar de tamanha confusão.
Lá fora, parecia que uma guerra havia sido instaurada. Crianças e cachorros corriam, de um lado para o outro, enquanto mulheres se penduravam pelos varais. Se houvessem armas, até tiros seriam disparados. Mas Pedro Henrique salvou o dia num único golpe. Acertou o bicho, em cheio, na cabeça.
Orgulhoso e todo sorridente, ele veio me exibir seu troféu: o corpo inerte do rato e a enxada marcada de sangue. Aquela cena me enojou, e toda a excitação que percorria o meu corpo desapareceu. Minhas tias e primas o aplaudiam com furor, mas para mim, o encanto havia acabado. Pedro Henrique, notando meu descontentamento e sentindo-se um verdadeiro herói, resolveu mostrar o homem que se tornara:
– Agora mostra o outro peitinho, vai?!