O dilema da cauda de dinossauro
Com um pouco de dificuldade, Douglas conseguiu amarrar o fitilho que prendia o cacho de balões infláveis ao redor de sua afilada barriga. Apertou o nó, e deu um rodopio, pra certificar-se de que estava bem justo. Saltou em galope, correu um pouco, e deu uma virada brusca. Sorriu, então, ao notar que estava tal qual uma alegoria de carnaval.
Era dia de festa na quadra da Portela e sua avó, Ribeirinha, estava mergulhada num copo de cerveja, fofocando com as amigas. O menino, agora ostentando uma volumosa cauda, desfilava pelo salão, com as mãos na cintura e o nariz empinado. Aos treze anos, mesmo que prematuramente, já apresentava claros sinais de efeminação, com trejeitos voluptuosos e olhar lascivo.
Ao avistar aquele enorme cacho de bolas serpenteando por entre os foliões, o pequeno Pedrinho entrou em êxtase. Seus olhos ganharam um brilho só comparável ao das festivas noites natalinas. No mesmo instante, devolveu a gordurosa asinha de frango ao prato de papelão e limpou a boca com as costas das mãos. Mastigou apressadamente a carne que ainda tinha dentro da boca e disparou a falar.
Insistente, exigiu que a sua tia Suzana conseguisse alguns balões, dos que Douglas arrastava sinuosamente quadra afora. No que ela recusou o pedido, Pedrinho pôs-se a espernear. Caiu no pranto, e o fez com primor. Lágrimas transbordavam de seus olhos e escorriam-lhe pelas bochechas, numa birra mais convincente que atriz de novela.
Deveras paciente, a tia chamou por Douglas, antes que o pequeno criasse mais escândalo. Certo de que teria seu desejo atendido, o pirracento danou a rir, apoiando as mãos na barriga. Chegou, inclusive, a dobrar o riso e engasgar, quando notou aquele amontoado de balões coloridos vindo em sua direção.
– Mas que bolas lindas, você tem aí! – elogiou Suzana.
– É meu rabo – retrucou o menino, todo orgulhoso.
– Ah, olha só, Pedrinho! É o rabo dele! – exclamou, sorridente.
– Sou um dinossauro, e sou muito colorido! – apresentou-se, abrindo os braços e inclinando a cabeça.
Os olhos de Pedrinho arregalaram. Sempre ouvira falar de dinossauros mas, do alto de seus três anos de idade, nunca teve a chance de ver um de perto. Ficou quieto por alguns segundos, só a observar o outro menino. Cutucou a tia, chegando perto de seu ouvido, e reiterou o desejo pelos balões.
– Então… você pode me dar um pedaço do teu rabo? – pediu, com delicadeza.
– Porque? – perguntou o menino, colocando as mãos na cintura, num tom desafiador.
– É que o meu sobrinho quer uma bola – explicou-se.
– Não dou, não. O rabo é meu!
E Douglas correu, lépido como um esquilo, para o outro lado do salão. Magoado, e sem entender o motivo da recusa, o pequeno Pedrinho caiu novamente no choro. Desta vez, porém, sem pirraça ou fingimento. Estava, de fato, muito sentido. Soluçando, abraçou a tia e pediu pra irem embora.
Já estavam perto da saída, quando Pedrinho avistou um grupo de meninos cercando o tal “dinossauro”. Eram bem mais velhos, aliás. Douglas estava acuado, gesticulando agressivamente para que o deixassem em paz. Munidos com espetinhos de churrasco e palitos de dente, os meliantes estouraram todas as bolas, numa questão de segundos, escangalhando-se de rir ao ver o pavor do garoto.
Pedrinho, perplexo, acompanhou a tudo com seus olhos esbugalhados, completamente mudo. O pequeno havia testemunhado a brutal amputação do rabo de um dinossauro, ou foi o que ele imaginou em sua cabecinha. Suzana, sempre bem humorada, estava achando muita graça de tudo aquilo. Douglas ia passando, quando ela o chamou:
– O que houve com seu rabo, garoto?
– Arrancaram! São uns babacas! Mas deixa pra lá… – resignou-se o menino.
– Pois é, pois é…
Enquanto a tia aproveitava a ocasião para mostrar a Pedrinho que tudo na vida tem volta, Douglas seguiu para o fundo da quadra, onde conseguiu outro cacho de bolas, tão esplendoroso quanto o anterior. Amarrou-o à cintura, exatamente como fizera antes, mandou um beijo para a avó e tornou a correr pelo salão.
Ao notar que Suzana e Pedrinho estavam de saída, Douglas correu ao seu encontro. Parou ao lado deles, deu um giro em torno de si mesmo e mostrou, encantado, que tinha uma nova cauda. Suzana, tentando não rir da cena, perguntou como poderia nascer outro rabo num dinossauro. Dando de ombros, o menino respondeu:
– É que, na verdade, eu sou mesmo uma lagartixa.
E então correu, sumindo por entre as passistas.