já que o teu silêncio é ensurdecedor
Quando vislumbrou o belo dia que se alastrava lá fora, vestiu uma camiseta, calçou um par de tênis e seguiu rumo ao parque de diversões. Pagou por um passaporte, comeu uma maçã-do-amor e brincou em tudo o que tinha direito, do carrossel à montanha-russa. Há anos não se sentia tão descompromissado, tão livre, tão bem consigo mesmo. Deixou o melhor para o final, como tudo em sua vida.
Sozinho na roda-gigante, ele apreciou o silêncio que fazia lá nas alturas. A ausência total de interferências, de opiniões, de críticas mal construídas e de qualquer outra distração. De cima, pôde vislumbrar o sol se pondo por trás das árvores que avolumavam o bosque, os passarinhos a mergulhar em suas copas, e até as primeiras estrelas que, valentemente, brigavam contra a luz do sol para espalhar seu brilho num céu ainda alaranjado. Sentia-se pleno. Sentia-se capaz de tudo. Sentia-se dono da própria verdade.
Mas quando a roda girou e ele novamente se aproximou do chão, todas aquelas sensações deram lugar a um desconforto insuportável. O barulho das máquinas, as crianças gritando, a música nauseante, os risinhos frouxos, a escória mundana, a terra batida que apodrecia por dentro e o lixo derramado por sobre a grama. Todas as sensações ruins e rasteiras estavam voltando, impulsionando a torna-lo alguém ordinário e mediócre. Um grito há muito sufocado em sua garganta quase escapou…
E então ele voltou para o alto. O vento fresco bateu em suas pernas. Sentiu o alívio percorrendo seu corpo, revigorando o que outrora quase se tornou um desespero… Mas passou! Não era mais nada. Só restou a paz e o silêncio. Aproveitou que o parque estava vazio e pediu para ficar lá no alto, até que não pudesse mais. E a noite caiu, e as estrelas estavam todas lá, brilhando freneticamente. enquanto debochavam de sua patética existência.